A alma não vive ao fio do tempo. Ela encontra o seu repouso nos universos imaginados pelo devaneio.Porque não canso de me surpreender, de cultivar aquele olhar da criança que vê as coisas pela primeira vez, que ouve uma história pela primeira vez, mas ouve melhor quando pede: “conta de novo”, e tento apreender esta surpresa, pela palavra, pela imagem, pela música. Como se assim, ela permanecesse comigo para sempre, mas não, ela escapa, e outra vez me surpreende, e assim vou jogando este jogo.
Para isto acontecer, tenho que me pôr em um estado de alma chamado Devaneio que tão poética e filosoficamente foi descrito por Gaston Bachelard, filósofo francês que estudei na faculdade e depois perdi na estante.
Este re-encontro foi fatal. Para mim.
Fatal para me explicar que existia um lugar entre sonho e realidade, onde a poesia dança, ora em suave coreografia, ora em tempestade cruel. Não precisa de muito para entrar neste estado, basta se maravilhar pelo nada, pelo pequeno, por vezes minúsculo fenômeno que se apresenta.
“É o devaneio que se escreve ou se promete escrever. Ele já está neste grande universo que é a página em branco. Então as imagens se colocam, se ordenam. O sonhador já escuta os sons da palavra escrita”, diz Bachelard.
E aqui, eu ouso juntar Bachelard a Manuel Bandeira, o primeiro por me mostrar a psicologia do maravilhamento “A sutileza de uma novidade reanima origens, renova e redobra a alegria de maravilhar-se. Ao maravilhamento acrescenta-se, em poesia, a alegria de falar.”
E segue, ... “Se déssemos ouvidos aos psicanalistas, definiríamos a poesia como um majestoso Lapso da Palavra. Mas o homem não se engana aos exaltar-se. A poesia é um dos Destinos da Palavra.”
Ao Maravilhamento de Bachelard encosto aqui o Alumbramento de Manuel Bandeira, que deu destino às palavras, e nos lapsos entre elas criou mundos reais.
"Um dia eu vi uma moça nuinha no banho
Fiquei parado o coração batendo
Ela se riu
Foi o meu primeiro alumbramento...”
Então, por aqui vai ser isso, maravilhamentos e alumbramentos em estado de devaneio.
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